Antiga Matriz de São José de Surubim - Minha Rua Tem Memória.
Depois do Carnaval, começa a Quaresma que vai da quarta-feira de cinzas até o domingo de páscoa. Antigamente ,os fiéis respeitavam religiosamente as sete sextas-feiras da Quaresma. rezavam, Jejuavam e guardavam abstinências.
Antônia Seabra, a mais antiga lavadeira de Surubim vestia-se de preto e jejuava todas as quartas e sextas-feiras desse período. Na última semana da Quaresma a Semana Santa, as imagens dos santos eram cobertos com panos roxos ou pretos,em sinal de luto.
Para muitos fiéis o jejum começava na quarta-feira de trevas, prolongando-se até a sexta-feira santa. Nesse dia era rigorosamente proibido comer carne. Porém, os mais devotos passavam a pão e água ou tomavam chá de folhas de laranjeiras.
Outros faziam sacrifícios de não comer doce ou de não tomar água fora das refeições.
Em sinal de respeito ao sofrimento de Cristo, as casas ficavam pra varrer, os cabelos pra pentear, o banho pra tomar, o trabalho por esperar. o negócio pra resolver. As pessoas de muita fé não se olhavam no espelho, não .cantavam não assobiavam, não riam alto e algumas só falavam o necessário. O leite tirava-se na conta para alimentar as crianças, os doentes e os mais velhos.
Quanto às crianças, eram-lhes proibidas as brincadeiras nas ruas e outras diversões que fizessem zoada. Nesses dias santos os pais não davam pisas nem puxões de orelhas nos filhos. Quando muito um castigo menos severo. Mas quando passava a Semana Santa,vinha o desconto.
Os trajes acompanhavam a contrição dos fiéis. As mulheres usavam cores discretas: nada de decotes ou roupas consideradas extravagantes. Nas cabeças mantilhas de renda, filó, ou simplesmente panos de algodão. Os homens vestiam seus trajes domingueiros e só tiravam os chapéus nos cumprimentos ou rezas dentro e ora da Igreja.
"Na quinta-feira, ao meio dia, ouvia-se o bater das matracas. O Comércio fechava suas portas até o sábado de aleluia, só atendendo os fregueses em caso de muita necessidade. Durante o dia, orava-se nas casas e na igreja, sempre acompanhado do toque de finados. Como não saía a procissão do Senhor Morto, o povo ia rezar no antigo cruzeiro, na atual Rua Oscar Loureiro, esquina com a Avenida São Sebastião", contam Maria de Lourdes de Paula Barbosa e Maria José Medeiros.
O ponto culminante da Semana Santa era a missa do sábado, à noite, aguardada com muita fé, medo e ansiedade, antes a meia noite, o padre deveria achar ou não o "sinal" que anunciasse a Ressurreição de Cristo: a Aleluia.
Aleluia, aleluia
Carne no prato, farinha na cúia.
Contam-se muitas histórias sobre o achar e romper" a Aleluia. Pra uns, o "sinal" era um pouco de cinza, para outros uma pinta de sangue que apareceria ou não em uma das páginas do grosso missal. Caso o "sinal" não aparecesse existia a crença, induzida pela igreja, de que o mundo ia se acabar ou que, grandes catástrofes aconteceriam.
O povo devia rezar com mais fervor, se redimir dos pecados, fazer promessas e penitências. Ao aproximar-se da meia noite, a fé se misturava ao medo e a agonia. Muitos choravam,acendiam velas acompanhados de intermináveis padre-nossos e ave-marias. Para desespero dos devotos, no altar, o padre fazia de conta que procurava, procurava o "sinal", enquanto o povo agoniava. Finalmente, num ritual de arrepiar os cabelos, anunciava-se o precioso achado:a Aleluia.
O povo chorava, se alegrava e se benzia agradecendo a Deus, a Virgem Maria pelo milagre. Não tinha festa nem baile, e cada um, a sua maneira, se recolhia na crença de viver mais um ano, sem que o mundo desabasse sobre sua cabeça.
Antiga Matriz de São José de Surubim - Rua Marechal Deodoro - Minha Rua Tem Memória.
ESTÓRIAS DA SEMANA SANTA
E Zé Mimoso conta:
"Em 1907, eu tava com 21 anos, e na quinta-feira santa fui ajudar o compadre Filô. Aí o finado Antonio Barros foi tirar leite. E quando apertava o peito da vaca, saía leite, mas quando chegava na cúia, virava água. Aí ele foi contar ao pai. Então o velho Barros perguntou:
- Soltou o bezerro ?
- Soltei.
- Tá certo, os meninos por hoje passam sem leite.
"Joaquim Catolé morava no Tambor e num dia de quinta-feira santa ralou milho pra fazer cuscuz. Depois juntou a família e foram comer. E quando cortaram o cuscuz, tava que nem sangue de boi coalhado. Aí Joaquim falou: ninguém come. Ele tirou uma talhada e trouxe pra mostrar a Zé Ferreira, em Lagoa Queimada. O meu sogro, o finado Manoel Vicente e o povo todinho presenciaram o fato".
Do sábado para o domingo, depois de "romper a Aleluia, havia a malhação do Judas. Os rapazes da cidade saíam pelas ruas carregando um boneco feito de trapos, o Judas.
Depois penduravam numa árvore e tome pau. E quando todos se davam por satisfeitos, queimavam o boneco num clima de grande animação.
Na quinta-ferra de trevas enquanto o povo dormia, saía o "serrá velho". Brincadeira de mal gosto para alguns, porém muito apreciada pela rapaziada.
Previamente combinado, uma turma de rapazes com rebeca, serrote e tábuas, parava em frente da casa e uma das pessoas mais idosas da cidade e gritava:
- Chame pela Virgem Maria, pois chegou a sua hora.
E o serrote cortando a madeira, anunciava a morte.
- Pra quem vai deixar a roupa ?
- Com quem vai ficar a sua cama?
E assim, iam fazendo o inventário da vitima, enquanto o rebeca soltava um som fúnebre de arrepiar.
Normalmente a brincadeira terminava em confusão, ou numa reação inesperada da vítima.
Contam os antigos que, certa vez, foram "serrá'' Antônia Seabra, na hora da valação, ela veio devagarinho, abriu a porta e jogou um penico de mijo na rapaziada.
Fonte: Livro Surubim Pela Boca do Povo - Mariza de Surubim - Edição: 1995.